GRAVEL Zone Brasil / Race - Ultrapassando limites e vivendo o incomparável Dirty Kanza

A fantástica experiência de competir em alto nível na principal e mais difícil prova Gravel do planeta.

Me reconheço como ciclista desde sempre, já tinha participado de competições de Cross Country, Maratona e Enduro no Mounatin Biking, além de provas de Estrada de longa distância, contudo posso dizer, sem sombra de dúvidas, que nada se compara a tudo o que vivi no estado americano do Kansas nos primeiros dias deste mês de junho durante o famoso Dirty Kanza.



Descobrindo o Universo Gravel.

No meu último vídeo expliquei o que considero uma Gravel Bike (https://www.youtube.com/watch?v=j7WOv9R4CX8), mas faltou contar como elas entraram na minha vida ciclística.

Como leitor voraz de publicações e sites especializados, nos últimos 3 anos as Gravel Bikes entraram no meu radar. Quando estive na edição de 2016 da Interbike, testei no Demo Day o belo modelo Exploro da 3T (http://www.29er.com.br/2016/09/p29br-29er-fair-o-melhor-da-interbike.html), o encontro com essa máquina despertou em mim um interesse especial sobre sua categoria de bicicletas. Voltando da feira, decidi adaptar minha SCOTT Solace de Estrada para uso off-road. Fui ao limite da bike com pneus 700x32 e coloquei ela na terra. Ainda que sem as condições ideais, me apaixonei pela possibilidade de andar muito rápido também longe do asfalto.

Em março de 2017, depois de muita pesquisa, adquiri a Canyon Inflite 8.0, originalmente uma bike de Cyclocross compatível com pneus 700x40. Esse modelo em alumínio pode tranquilamente ser usado também como Gravel Bike e até mesmo Bike de Estrada, além de pesar menos que bikes equivalentes com quadros em fibra de carbono de outras marcas. A partir daí comecei a involuntariamente "esquecer" da minha Mountain Bike de tanto que me empolgava pedalar no estradão pilotando uma máquina equipada com guidão drop.




Uma coisa leva à outra.

Assim como as Gravel Bikes invadiram minha vida, naturalmente o Dirty Kanza também me despertou grande interesse. Essa é uma prova que aconteceu pela primeira vez no ano de 2006 e se consolidou a nível mundial como a principal e mais difícil competição de Gravel Bikes, a ponto de atrair, a cada ano na primeira semana do mês de junho, mais de 3.000 pilotos à pequena cidade de Emporia no estado americano do Kansas.

A competição que acontece num super particular terreno chamado de Flint Hills, pode ser disputada no formato de 200, 100, 50 ou 25 milhas. Hoje a prova conhecida com DK é cheia de profissionais que sofrem para ganhar dos amadores e nem sempre conseguem. No ano passado a lenda Rebecca Rush correu as 100 milhas, neste ano nomes como Geoff Kabush, Sven Nys e Jens Voigt estiveram disputando as 200 milhas. Em 2018 rolou pela primeira vez o DKXL com 34 pilotos convidados competindo em nada menos que 350 milhas (mais de 560 quilômetros) sem nenhum tipo de suporte.

Acompanhar o Dirty Kanza pelas redes sociais em 2017, foi a faísca que me fez decidir que eu estaria, sim ou sim, na prova em 2018. Imediatamente, ainda em meados do ano passado, montei um plano de patrocínio para viabilizar a minha participação no DK e mandei para alguns amigos de uma importante marca nacional que se interessava em lançar uma Gravel Bike e teria muito a ganhar estando nessa prova.

Independente da confirmação desse patrocínio ou não, em julho de 2017 comecei "oficialmente" meus treinamentos para o DK 2018. Estava decidido que não iria ao Kansas para passear ou apenas para completar a prova, a ideia era de fato apresentar um desempenho consistente, andar forte de verdade.

Atleta amador com trabalho em tempo integral.

Sempre pedalei relativamente bem, mas posso afirmar que a decisão de disputar essa prova foi um divisor de águas na minha vida de atleta. A questão principal era conciliar trabalho em tempo integral com uma preparação séria para a corrida. É aí que entra na história o rolo de treinamento inteligente, ou smart trainer, e o aplicativo chamado de Zwift, combinando os dois passei a treinar indoor diariamente à noite depois de voltar do trabalho, complementando minhas atividades outdoor dos finais de semana.

Posso afirmar sem exageros que o Zwift foi ferramenta fundamental na minha preparação para o DK. O aplicativo conta com planos de treinamento estruturados e workouts bem elaborados que me permitiram evoluir em algumas características chave para meu sucesso na corrida. Só para dar uma ideia do potencial de um treinamento indoor bem feito com o Zwift, o australiano Mathew Hayman quebrou o braço direito no final de fevereiro de 2016, então desde que saiu do hospital passou a concentrar todo o seu treinamento no Zwift porque não podia sair pedalar na estrada. Em abril Hayman, então com 36 anos de idade, conseguiu a proeza de ganhar nada menos que a Paris-Roubaix com uma preparação final totalmente baseada no trabalho com o rolo.

Se alguém que tem interesse em competir me pergunta hoje qual é o upgrade que eu sugiro para uma bike X ou Y, com certeza eu lhe aconselharia a comprar um smart trainer antes de qualquer outro componente para usa bike.

O tempo passava e o patrocínio não chegava.

Em dezembro de 2017 as inscrições para o Dirty Kanza foram abertas em um sistema de loteria, visto que o número de interessados é sempre maior que as mais de 3.000 vagas disponíveis. A esta altura eu ainda não tinha recebido a resposta do suposto patrocinador e chegava o momento de ter que escolher em que distância ia competir.

A ideia inicial era de competir na prova de 200 milhas, que é também a que tem a inscrição mais cara, além disso cada piloto é obrigado a contratar uma equipe de apoio para o dia da corrida, pois o DK é do tipo "self supported", ou seja, a organização não te dá nada. Você tem que preparar suas próprias sacolas com itens de alimentação e hidratação, essas "drop bags" são levadas por sua equipe de apoio a cada checkpoint. Para as 200 milhas são 3 checkpoints, nas 100 milhas 1.

A falta da confirmação daquele esperado patrocínio e o fato de eu nunca ter pedalado no famoso e imprevisível gravel das Flint Hills, me levaram a decidir por competir nas 100 milhas, algo que no final das contas tenho que confessar que resultou em uma escolha completamente acertada da minha parte, além do que avaliava que seria mais competitivo disputando a prova nessa distância em meu primeiro ano no Kansas.


Em janeiro recebi a confirmação que eu havia sido sorteado e tinha vaga garantida no Dirty Kanza 2018, foi uma alegria só, algo que me estimulou ainda mais a seguir treinando forte, contudo em fevereiro, 7 meses depois de ter entregado minha proposta de patrocínio à marca de bicicletas que mencionei antes, só então me avisaram que tinham outras prioridades e não iria rolar o esperado apoio. Não me abati e passei a buscar outros amigos que também estavam no segmento e vendiam produtos que poderiam se beneficiar do marketing de uma participação em uma prova do porte do DK. Uma marca de componentes e rodas deu uma desculpa e pulou fora, outra marca de roupas achou o máximo, mas também não confirmou interesse. Nessa hora percebi o quanto é difícil para um atleta encontrar apoio, mesmo oferecendo uma contra partida palpável no momento de pedir patrocínio. Alguns amigos pessoais de grande coração se ofereceram para ajudar com uma "vaquinha", mas preferi não fazer das minhas dificuldades o problema dos outros, ainda assim muito obrigado a vocês!

Não iria desistir da prova de maneira nenhuma, então a solução que eu encontrei foi vender meu carro para poder bancar passagens, estadia e o final da preparação. Também não me arrependo um segundo dessa decisão, até porque hoje incrivelmente tenho vivido muito melhor sem carro.

Adil, você está no Kansas agora!

Cheguei ao Kansas 4 dias antes da prova. Lori, uma pessoa simplesmente sensacional do Emporia Convention & Visitors Bureau foi me buscar em Wichita e me levou a Emporia. Uma das marcas do povo da cidade sede do Dirty Kanza é a hospitalidade a um nível que nunca havia experimentado antes!


Já em Emporia, na quarta-feira passei primeiro na Gravel City Adventure & Supply Co., uma grande loja especializada em Gravel Bikes (incrível né?!), lá me esperava Adam, seu proprietário. Fui buscar uma garrafa de selante NoTubes Race que estava guardada para mim e aproveitei para escutar atentamente os conselhos dele para a prova. Uma das coisas que me disse é que se houvesse algum trecho de lama eu teria que carregar a bike, porque o barro da região era super pegajoso a ponto de quebrar gancheiras e travar por completo a bike. Escutei, mas confesso que nem me preocupei porque a previsão para o sábado, dia da corrida, era de tempo firme sem chuva.

Escolhi o NoTubes Race porque está formulado com cristais de latex maiores e mais numerosos que a versão tradicional do principal selante do mercado, já que a maior preocupação de qualquer piloto que disputa o Dirty Kanza é ter um pneu furado ou cortado pelo tipo de pedras afiadas que abundam nas estradas da região.

Montei minha bike, coloquei o selante nos pneus e lá estava eu, pronto para o meu primeiro contato com o famoso cascalho das Flint Hills ao sol do meio dia. Não mencionei antes, mas a temperatura em Emporia nesta época do ano é de mais de 30 graus, a sensação de ar abafado me lembrava a minha Sorocaba em dias de verão.


Nesse primeiro treino pedalei as 25 primeiras milhas de prova, chegando ao ponto mais alto de todo o trajeto. De cara deu para perceber que eu tinha que evitar sair do trilho principal nessas estradas porque as pedras pontudas de fato estavam lá para judiar dos pneus. As Flint Hills eram uma incógnita para mim, nada que eu conseguiria simular em qualquer outra parte do mundo, mas o legal é que peguei rápido o jeito de pedalar nessas condições e cheguei às 25 milhas com um tempo bem interessante, algo que me fazia começar a sonhar com um tempo total de prova de menos de 6 horas, feito que seguramente me colocaria entre os primeiros colocados na geral, lembrando que ao contrário do DK200, o DK100 não tem divisão de categorias por idade e gênero.



Na volta dessas 25 milhas até a cidade de Emporia andei forte, atacando nas descidas e ganhando aida mais confiança.

No dia seguinte, quinta-feira, fui conhecer as últimas 20 milhas do trajeto. Tecnicamente esse trecho era menos demandante, contudo fui apresentado a um dos grandes vilões da prova, o vento surreal do Kansas. Mais tarde falo sobre ele.

Sexta-feira é dia de festa em Emporia. Você tem que confirmar o seu registro, retirar número, brindes, etc. Além disso é momento de montar as drop bags e deixar com a equipe de apoio contratada. Eu escolhi a equipe mais acessível e sugerida pela organização, o Crew-for-Hire que além de tudo tem uma função social importante no condado de Lyon, onde se encontra Emporia. O valor arrecadado com a contratação dessa equipe de apoio é revertido ao "Never Let Go" que ajuda famílias que estão sofrendo com o câncer infantil e também a um programa de inclusão de crianças em esportes outdoor. Confesso que num primeiro momento nem pesava em parar no checkpoint, contudo durante os treinos percebi que meu consumo de líquidos era muito maior do que o esperado, então estava claro que um pit-stop não poderia ser descartado.


Ainda na sexta-feira dei uma passada na All Things Gravel Expo, conheci a nova versão do modelo Warbird da Salsa, a marca de maior evidência no Dirty Kanza. De fato essa nova Warbird é sonho de consumo para qualquer um que escolha competir numa prova Gravel, ela tem um clearance enorme, geometria de competição, possibilidade de montagem de até 3 suportes de caramanhola, além de parafusos para uma bolsa de top tube, um detalhe que particularmente considero super necessário e útil.




Está chegando a hora.

A noite anterior ao Dirty Kanza foi difícil de passar. Preparei a bike, meu plano de alimentação e hidratação, me alimentei e dormi cedo, mas às 2 da madrugada eu já estava de pé. Tomei café da manhã às 4:00h e a ideia era deixar o hotel às 5:30h em direção à rua principal de Emporia onde acontece a largada da prova.

Tudo corria como planejado até que às 5:25h começou um inacreditável e inesperado temporal. Contrariando totalmente meu planejamento tive que tirar da mala a jaqueta de chuva. Minha largada aconteceria às 6:20h, mas o hotel ficava 3 milhas distante do centro, então não poderia esperar muito. Às 5:45h debaixo de uma puta chuva tive que deixar o hotel. Quando cheguei no centro da cidade a informação era que a largada seria adiada em 30 minutos. A chuva parou, mas o tempo continuava super feio.

Pouco antes de largar a organização avisou que um trecho problemático (cheio de barro) nas primeiras 20 milhas tinha sido desviado para evitar os problemas que já haviam acontecido em 2016, quando os pilotos tiveram que carregar as bikes por vários quilômetros de estradas totalmente enlameadas. Confesso que fiquei aliviado e mais animado com essa notícia, contudo por mais que tivesse treinado na chuva e no barro, as condições do Kansas na umidade não deixavam de ser uma completa novidade para mim.

Bora "socar a bota"!


Para o DK 100 eram nada menos que 832 pilotos inscritos. Felizmente consegui me posicionar na primeira fila para largar. O tempo continuava completamente escuro e a informação era de que o terreno estava bem molhado na primeira parte da prova.


Depois de um trecho de transição como os competidores escoltados pela polícia, atingimos a terra comigo à frente de todo o pelotão. Para dar uma ideia da forma que larguei, no primeiro segmento do Strava válido pelo Dirty Kanza cravei um tempo 50 segundos melhor que o do Ted King, profissional vencedor do DK200.


O ritmo de prova me animou e em pouco mais de 10 minutos já alcançava os últimos participantes do DK200 que largaram 20 minutos antes. Até o primeiro checkpoint das 200 milhas na cidade de Madison o trajeto é o mesmo para aqueles que estão competindo nas 100 milhas.

Começavam as subidas, mas não parava de ultrapassar gente, evitando sempre que possível as laterais das estradas onde o cascalho era mais perigoso. Mesmo com o terreno bastante escorregadio consegui manter um ritmo consistente de prova. Os pneus Panaracer GravelKing 700x38 pareciam a escolha perfeita para o Dirty Kanza, eram rápidos e seguros. Atingi o ponto mais alto do trajeto na milha 24 (Km 38.5) com 1 hora e 20 minutos. A partir daí apertei ainda mais o ritmo, estava confiante e ataquei forte nas descidas. Nesta primeira perna da corrida ainda não tinha sentido a força do vento, parecia não haver tanta necessidade de se pedalar em grupo. Enquanto isso, seguia rigidamente meu plano de hidratação e alimentação.

Com 2 horas e 45 minutos de prova cheguei super bem ao checkpoint em Madison na milha 47 (Km 76). Não tinha nenhuma expectativa em relação à minha equipe de apoio, mas tenho que reconhecer que o Crew-for-Hire é fantástico, voluntários bem na vibe de todos os outros locais que tive o prazer de conhecer. Quatro pessoas vieram me dar apoio, um segurou minha bike, outro trouxe minha sacola, um terceiro encheu as minhas garrafas, outro limpou meus óculos sujos de barro enquanto me alimentava confortavelmente sentado numa cadeira que trouxeram para mim. Me fizeram sentir um piloto profissional, tudo foi tão perfeito que até esqueci de relubrificar a corrente. Meu pit-stop durou menos de 5 minutos e já voltei para a prova.

Seus problemas começaram!

Tudo corria exatamente como o planejado, até que aproximadamente 10 milhas após Madison a coisa começou complicar. Claro que numa prova como essa você tem que esperar o imponderável, mas todos pensávamos que a parte úmida da corrida já tinha ficado para trás. Ledo engano. Cheguei a um trecho completamente enlameado, ainda com muito barro por tudo o que choveu à noite na região, não tinha dado tempo de secar. Contrariando aquele conselho que o Adam me deu no primeiro dia em Emporia, eu e todo o grupo de uns 5 pilotos que estavam comigo tentamos pedalar na lama. Péssima decisão. As bikes se encheram daquele barro super grudento de uma maneira surreal. Presenciei inclusive gente quebrando gancheira e dando p.t. na transmissão.

Foto: Chris Nichols

Estava tão concentrado na corrida que não parei para tirar fotos, mas conto com a sua imaginação para ilustrar isso tudo. Tive que arrancar na mão o máximo de barro da bike, juro que tinha muito, minhas luvas começaram a rasgar. Depois percebi que não adiantava descer da bike e empurrar, porque mesmo empurrando, o barro entrava todo outra vez no quadro. O negócio era carregar, mas pensa numa bike com o dobro do peso nas suas costas. Percebi que se eu entrasse no mato ao lada da estrada poderia empurrar ao invés de carregar, pois esse mesmo mato evitava que o barro voltasse a se acumular. Tinham me avisado que eu poderia encontrar alguns animais silvestres por aí, inclusive cobras, mas resolvi arriscar. Foram 4 quilômetros seguidos nesse perrengue e um bom tempo perdido. Tempo esse que começava a desmontar minha ideia inicial de terminar a prova em menos de 6 horas.

Na medida do possível lidei relativamente bem com a lama e terminei esse trecho complicado ganhando várias posições. A partir daí comecei a pedalar junto com um americano chamado Tray, ele não levava GPS (equipamento obrigatório) e confiava na minha navegação para seguir no caminho correto. Lembro que nenhuma estrada é marcada pela organização e à medida que a prova avança são menos pilotos próximos uns dos outros e a possibilidade de se perder no meio do nada é bem real.

Como disse antes, esqueci de reaplicar óleo na corrente quando passei pelo checkpoint. Era hora de começar a pagar o preço por essa vacilada. Mesmo usando o excelente óleo White Lightning para condições extremas na corrente, ele já tinha sido "lavado" pela chuva, barro e nas inúmeras poças d'água em todo o trajeto. Meu lubrificante nas últimas 40 milhas de prova (65 quilômetros) foi uma parcela do energético que carregava nas caramanholas. Não mencionei até aqui, mas em cada perna de prova eu larguei com 2 garrafas de 1 litro de capacidade cada e mais duas de 800ml atrás do selim, totalizando 3.6 litros. Muitos pilotos usam Camelbak, entretanto prefiro evitar sobrecarregar minha lombar, além da sobrecarga já gerada pela própria pedalada.

A força do vento.

Os ventos são um caso à parte no Dirty Kanza. Antes de largar, a previsão era de ventos de mais de 30 Km/h na parte final da prova e, sim, eles estavam lá e eram de fato brutais. Dependendo do trecho, os ventos podem ser do tipo headwind (vento contra) ou tailwind (vento à favor), desta vez eram praticamente todos contra! Se você olhar o mapa do trajeto, vai perceber que a grande maioria das curvas são de 90 graus no DK, as estradas cruzam longos quarteirões, às vezes com mais de 10Km de extensão. Imagine você fazer uma curva, entrar numa dessas retas longas e perceber que tem um vento de 30 Km/h te segurando. Isso aconteceu o tempo todo depois que me livrei do barro.

Eu e meu novo amigo Tray fomos revesando e vencendo o vento mais ou menos até a milha 70 (Km 120). A coisa ficou mais difícil a partir daí e fomos alcançados por um pelotão maior. Tray aguentou o ritmo desse grupo e terminou a prova na 15ª colocação. Quanto a mim, acabei sozinho pelas últimas 20 milhas que eu já conhecia dos treinos. Esse foi meu maior erro na prova, porque acabei irremediavelmente ficando para trás.

Aero ou não aero?

Antes e depois da corrida rolou uma polêmica iniciada pelo Geoff Kabush. O profissional canadense que estava fazendo a sua estreia no DK, debochou das pessoas que usavam aero barras no guidão. A questão é que o campeão geral da prova, Ted King, usou areo barras. Confesso que no começo eu era um dos que achavam besteria usar esse tipo de artifício, contudo depois que passei a pedalar sozinho na parte final do DK, percebi claramente que estar numa posição mais aerodinâmica teria ajudado muito mesmo, até porque depois de mais de cento e tantos quilômetros é um martírio passar muito tempo nos drops do guidão.

O melhor suporte neutro do mundo.

Nessas últimas 20 milhas de corrida minhas reservas de líquidos se esgotavam (era eu e a transmissão "tomando") e já não contava com gels e outros alimentos porque tinha consumido mais que o planejado, já que o tempo de prova ultrapassava minhas previsões iniciais. Muita gente no Brasil brincou comigo quando apresentei minha Gravel Bike pelo fato de que eu carregava uma bolsa no top tube que parecia grande. Depois do Dirty Kanza posso afirmar que minha bolsa não era grande o suficiente e que no ano que vem vou usar uma maior ou até uma outra adicional no quadro. Faltou espaço para levar mais itens de nutrição.


Quando tudo piorava conheci o melhor suporte neutro do mundo. Confirmando a impressão que as pessoas do Kansas são incrivelmente legais, moradores que tinham rancho na beira da estrada onde passava a prova montaram pontos de apoio neutros com água e bananas, além de oferecerem outras coisas surreais, como beef jerky (mini-salames), tudo na bondade. Além de alimentar os pilotos, os locais ainda te incentivavam de uma maneira até emocionante. Por falar em emoção, nas últimas 10 milhas em frente a um desses ranchos estava um pai com duas crianças pequenas, os baixinhos me ofereceram nada menos que uma super bem vinda lata de Coca-Cola geladinha. Foi a melhor que já tomei na vida, além do que o apoio e a generosidade deles quase me fez chorar.

Bora pedalar e terminar com estilo.


Mesmo após 7 horas de prova, me sentia mentalmente forte lutando sozinho contra o vento. Só conseguia pensar que tinha viajado ao Kansas para "socar a bota" e não deixaria de lado essa atitude até cruzar a linha de chegada. Ao fundo, no horizonte, eu já avistava os primeiros sinais que Emporia estava próxima outra vez. Os locais com placas na frente das poucas casas que iam aparecendo no caminho continuavam incentivando todos os que passavam.


Finalmente cheguei à Universidade Estadual de Emporia para subir a última ladeira com 8% de inclinação que já pareciam 15! A partir daí era só cruzar o campus e adentrar a reta final na Commercial Street.

Já deixando a Universidade, uma sensação boa de dever (bem) cumprido tomava conta de mim, enquanto isso tirava a bandeira do Brasil do bolso da camisa. A minha chegada foi no melhor estilo de um dos nossos heróis maiores, Ayrton Senna. Cruzei a reta final empunhando a bandeira do nosso país e sendo saudado pelas milhares de pessoas que se aglomeravam no centro de Emporia, um momento único e inesquecível para mim.


Depois de 7:31:06h de prova e 158.5 Km percorridos, fui o 38º no classificação geral do DK100 e o 5º homem entre 45 e 49 anos a cruzar a linha de chegada, também o primeiro estrangeiro a completar a corrida. Terminei extremamente satisfeito por ter podido encarar o Dirty Kanza de uma maneira consistente, meu objetivo era estar entre os 5% mais rápidos e essa meta eu alcancei. Os poucos erros deste ano serão corrigidos para o seguinte e quem sabe já com algum patrocínio possa disputar o DK200.


O que funcionou:

1 - Pneus Panaracer GravelKing 700x38: se mostraram a medida perfeita para esse tipo de prova com um excelente balanço entre confiabilidade, conforto e velocidade. Lembrando que tubeless é uma obrigação numa corrida como essa.

2 - 4 caramanholas: contar com 4 caramalholas de grande capacidade a cada perna da corrida me pareceu a medida adequada para uma hidratação satisfatória.

3 - Pedais Time ATAC: os pedais Time confirmaram a fama de serem os melhores em condições extremas.

O que devo mudar para o ano que vem:

1 - Bolsas de top tube/quadro com maior capacidade: quero poder carregar mais itens de nutrição no próximo ano.

2 - Aero barras: senti na pele a importância de pedalar numa posição mais aerodinâmica nas grandes retas do Kansas com vento contra. Já encomendei as minhas para ir me acostumando desde agora.

3 - Transmissão 1x: neste ano escolhi uma transmissão de grande amplitude para a corrida, com um pedivela duplo 52/36 e cassette 11-40. A vantagem que acreditei que teria nas descidas ficou praticamente anulada pelo sobe e desce constante e o vento, por outro lado, depois que a bike se encheu de barro o câmbio dianteiro ficou inoperante, motivos suficientes para optar por uma transmissão 1x no ano que vem, ainda que para treinar sigo preferindo o setup tradicional.

4 - GoPro: tenho que levar uma.

Qualquer dúvida ou dica em relação ao Gravel competitivo, me escreva.

Quer me acompanhar no Dirty Kanza em 2019? Boralá, vai ser um prazer ser seu guia e dividir meus conhecimentos com você.

Keep Riding Gravel!

Comentários

  1. Curti demais a descrição de tua participação no evento. No próximo ano não deixe de fazer registros em vídeo. Se eu estivesse aí, com certeza me disponibilizaria em fazer esses registros só por curtição da atmosfera que deve ser esse evento. Parabéns!

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  2. Que relato sensacional Adil!
    Parabéns pela conquista!
    Sou um mero ciclista PEBA que curte muito pedalar. Recentemente tive a oportunidade em adquirir uma bicicleta com pegada Touring/Gravel, Kona Rove DL, estou curtindo muito e pretendo realizar alguns pedais no critério Gravel (preciso adquirir os pneus), para o momento algumas pedaladas no estilo Road e Commute.
    Uma pergunta, em nosso país você acha que é possível uma competição com esse nível de organização?
    Espero que em 2019 tu consiga muitos patrocínios e participe do DK200!
    Sucesso e tudo de bom!

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  3. Parabéns Adil, tanto a sua participação na prova e seu ralato no blog são impressionantes!!!!

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